PRESBITERIANISMO 150 ANOS NO BRASIL
Presbiterianismo no Brasil 150
anos Simonton
“Vão pelo mundo todo e preguem o Evangelho a todas
as pessoas” (Mc. 16.15 – NVI).
O diário de Simonton é um registro histórico do
protestantismo do Brasil. Foi editado pela Casa Editora Presbiteriana
(SIMONTON, 1982), atualmente denominada Editora Cultura Cristã (SIMONTON,
2002), a quem pertencem os direitos autorais. Pode-se referenciar esta obra
como um patrimônio da Igreja Presbiteriana do Brasil - ou melhor, uma relíquia
do protestantismo histórico brasileiro. É uma fonte primária para quaisquer
pesquisadores de história do cristianismo brasileiro. Ao lado de obras como O
protestantismo no Brasil (LÉONARD, 1981), Protestantismo e cultura
brasileira(RIBEIRO, 1981), Protestantismo e educação brasileira (HACK, 1985),
História da Igreja Presbiteriana do Brasil (FERREIRA,1992),Os pioneiros
presbiterianos do Brasil (1859 – 1900) (MATOS, 2004), entre outras, o diário de
Simonton pertence ao conjunto de livros de leitura obrigatória quando se trata
de história da igreja presbiteriana.
A proposta
deste artigo é mostrar aos leitores uma síntese da vida e da obra de Ashbel
Green Simonton e seu amor ao Deus Triúno como uma chave de interpretação das
origens do presbiterianismo brasileiro.
Poderia ser você. Deveria ser Ashbel Green Simonton
naquele momento. Poderia começar esta história de outra maneira. Todavia, deve
ser assim. Foi em 1852 que Simonton começou a escrever o seu Diário. Seus
textos, intensamente pessoais e íntimos, são marcados por honestidade e
franqueza singulares sobre certos temas. No dia 20 de janeiro de 1855, era o
vigésimo segundo aniversário de um jovem com ambições ao curso de direito.
Poderia ter um futuro acadêmico brilhante. Todavia, viveu um período intenso de
lutas interiores. E da pena de Simonton se lê:
20 de janeiro de 1855
Hoje é meu aniversário; faço vinte e dois anos.
Estive tão ocupado o dia todo que nem tive tempo de pensar que estava
ultrapassando mais um marco em minha rota; e agora, apesar de ser literalmente
a vigésima terceira hora, aqui estou eu, sentado para conversar com meu Diário
sobre isso. Começo a afeiçoar-me a este Diário, e em determinadas situações eu
me volto para ele como para um velho amigo. Mas é hora de fazer reflexões
morais sobre o meu aniversário. Bem, para ser honesto, devo preocupar-me em
chegar aos vinte e dois anos e estar vivendo com tão poucos propósitos
(SIMONTON, 2002, p. 80).
Ele foi “batizado para o Sagrado Ministério”, sofreu
uma cabal influência familiar em sua existência e não possuía nenhum traço de
genialidade. Assim, o jovem Simonton conjugava os dados do passado analisado
naquele tempo presente. Ele introspectava “a vida não lhe tem sido sem
propósito” e em sua análise afirmava “compreendo o Evangelho, mas não o sinto”.
Eis o quadro clínico, uma verdadeira paralaxe existencial, situação sobre a
qual os profissionais da saúde poderiam elaborar miríades de livros de patologia
psicossomáticas. Todavia, deveria a Providência o conduzir!
A história dos poderosos feitos de Deus não esconde
os defeitos dos seus “heróis”, mas define que os tais heróis são pessoas que
fizeram o que era necessário fazer, enfrentando as consequências. Por isso, não
foi o apelo do sermão do Dr. Charles Hodge que o fez pensar em campos
missionários. Também não foi a sua formação teológica na Universidade de Nova
Jersey, pois vocação não se fabrica. Não foi o crivo do secretário Dr. J.
Leighton Wilson da Board of Foreign Mission que o fez mais vocacionado. Nem
tampouco a sua ordenação ao sagrado ministério pelo Presbitério de Carlisle em
14 de abril de 1859. Ou quaisquer outras motivações conciliares ou familiares.
Poderiam ser, mas não foram! A Providência o guiou! E, no Diário se lê:
27 de novembro de 1858
Finalmente o passo decisivo foi dado. No dia 25
enviei minha proposta formal à Junta de Missões Estrangeiras. Mencionei o
Brasil como o campo no qual estou mais interessado, mas deixei à Junta a
decisão final. Irei só. Assim, a incerteza que vem me oprimindo há um ano
finalmente terminou. A mão da Providência evidentemente pode ser vista nisto. A
Ti, ó Deus, confio meus caminhos na certeza de que Tu dirigirás meus passos
retamente (SIMONTON, 2002, p. 111).
Chamada eficaz e perseverança dos santos são unidas
pela ação monergista do Espírito Santo na vida do frágil instrumento do Senhor.
E, assim, a alegoria do sermão de sua ordenação “Passa a Macedônia” se tornou
literalmente real. Tão real que na manhã de 12 de agosto de 1859, com os olhos
fitos, ele minuciosamente nos conta a obra da criação divina no seu diário. Ele
descreve a nossa cidade maravilhosa; o nosso Rio de Janeiro em sua completude
estética. Era a contemplação do ínfime missionário estadunidense diante da
imensidão da criação. Diante do poderio estético do meu Brasil [...], do meu
Rio de Janeiro [...] Por que também não falar da contemplação da distância
cultural, linguística, social, religiosa [...] Distância tão grande que é um
erro separar os adjetivos supracitados entre mesquinhos espaços separados por
vírgulas. Veja o relato em seu Diário.
Sexta-feira, 12 de agosto [de 1859], 9:30 da manhã.
Estou acordado desde as quatro da manhã observando
as manobras para adentrar o porto contra o vento e a maré. É um lugar lindo, o
mais singular e impressionante que jamais vi. Nunca teria imaginado tal porto,
com beleza sublime, protegido de ventos e ondas, e capaz de defesa contra
ataques de mar e de terra. Está em uma baía rodeada de curiosas ilhas de pedra,
altas e sólidas. Algumas parecem ovos flutuando na água com uma das pontas para
cima; outras, a outra ponta. Nos topos de algumas, igrejas ou casas de lazer se
equilibram. Uma dessas casas parece ninho de ave em cima de uma torre de
igreja, a quase 1.100 pés de altura.
A entrada do
porto tem somente meia milha de largura; de um lado há um arrojado promotório,
sobre o qual está a Fortaleza de Santa Cruz, com pesados canhões protegendo as
muralhas; do outro lado alteia-se o Pão de Açúcar a uma altura de 1.200 pés.
Estamos ainda na entrada do porto, mudando de curso a cada minuto, ora na
direção do forte, ora chegando a pequena distância do Pão de Açúcar. A água é
tão profunda que a única preocupação dos navegantes é não quebrar o mastro
horizontal da proa batendo de um ou outro lado. A cidade está a cerca de duas
milhas, sobre uma grande extensão de vales e montanhas; brilha ao sol com suas
paredes caiadas de branco. Fazendo fundo para essa linda pintura, há uma cadeia
de morros altos e montanhas (SIMONTON, 2002, p. 125).
Não houve um bem-vindo! O jovem Simonton de vinte e
seis anos não sabia português. Welcome, Simonton, ao Brasil do século XIX, com
o seu clima tropical que poderia gelifazer a alma estrangeira se não fosse o
poder revigorante do Espírito Santo. Não era o único missionário. Metodistas como
o reverendo Fourtain Pitss (1835), agentes de Sociedades Bíblicas, como Daniel
Kidder e James Fletcher, e o congregacional Robert Reid Kalley (1855) já
desfrutavam dos desafios missionários em solo tupiniquim. A distância
linguística o limitou em proferir suas prédicas em navios ancorados na Baia de
Guanabara e em residências de estrangeiros. O missionário e médico escocês
Kalley chegou até a aconselhar o novel missionário. Porém, o jovem
presbiteriano e o experiente missionário sabiam a finalidade de suas missões.
A bordo do Monticello, o pequeno navio a vela,
Alexander Latimer Blackford e sua esposa Elizabeth (irmã de Simonton)
integraram a missão brasileira, em 1860, depois de uma tempestade em alto mar.
E a Deus foi ofertado o primeiro culto em língua portuguesa por Simonton no dia
22 de abril de 1860. Pregar, visitar os ingleses e alemães, conversar com os
sacerdotes, esses foram alguns dos desafios de Simonton durante uma longa
jornada em São Paulo, Sorocaba, Itapetininga, Itu, Campinas. Talvez, eu possa
ter esquecido algumas cidades. Mas Simonton não! Ele viveu, percorreu e
estranhou alguns costumes de algumas famílias. No seu Diário se lê:
[...] Nunca vi família tão excelente, com
suficientes recursos, viver tão mal. Escravos por toda a parte, uns atrapalhando
os outros; tábuas abandonadas na serraria a 100 metros de distância; não
consigo entender tanto descaso e negligência. Dia após dia eu observava e me
maravilhava do processo como se dirigia a empresa toda. Ao ver João Carlos
[Nogueira], um dos brasileiros de coração mais bem formado, em outros aspectos
um homem de bom senso, viver daquele modo, minha confiança no Brasil e nos
brasileiros diminuiu (SIMONTON, 2002, p.146).
Francis Schneider, um outro missionário, chegaria
somente em dezembro de 1861. Em terra tupiniquim, há tempestades de ideias e de
interesses! Todavia, a Providência levou Blackford para São Paulo, onde foram
organizadas, em 1865, as igrejas de São Paulo e de Brotas. Depois de dois anos,
posso precisar a data, 12 de janeiro de 1862, os primeiros professos são
recebidos.
Era
organizada a Igreja Presbiteriana do Rio de Janeiro, sobre a qual se lê em seu
Diário: “14 de janeiro de 1862 – [...] No domingo, dia 12, celebramos a Ceia do
Senhor, recebendo por profissão de fé Henry E. Milford e Camilo Cardoso de
Jesus. Assim foi a nossa organização em igreja de Jesus Cristo no Brasil”
(SIMONTON, 2002, p. 152). Vitórias em solo tupiniquim e merecida furlough (i.e.
misto de férias e divulgação do trabalho missionário), pois missionário estadunidense
não goza de férias! Tribulação em solo americano: falecimento de sua mãe e os
horrores da Guerra Civil. Todavia, nem tudo é tribulação na vida. Simonton casa
com Helen Murdoch em 1863 e tem uma filha, no Brasil, em junho de 1864. Porém,
as tribulações não são aniquiladas da vida dos eleitos. Como numa oração breve,
abrupta e sem sentido para nós: Morre Helen. Não há porquês. Há desafios a
serem trilhados com a ajuda da consolação do Santo Espírito. Como já diz o
poema:
Depois de um tempo você começa a aceitar suas
derrotas com a cabeça erguida e olhos diantes, com a graça de um adulto e não
com a tristeza de uma criança; aprende a construir todas as suas estradas no
hoje, porque o terreno do amanhã é incerto demais para os planos, e o futuro
tem o costume de cair em meio ao vão.
Simonton ficou viúvo e nunca mais gozou de outra
furlough. No entanto, ele aprendeu que não importa em quantos pedaços seu
coração foi partido, o mundo não para a fim de que você o conserte. É na força
do Espírito Santo que Simonton encontra forças para fundar o primeiro periódico
protestante do país – aImprensa Evangélica (05/11/1864). Organizou com
Blackford e Schneider o presbitério do Rio de Janeiro (16/12/1865) e criou um
seminário teológico, que alguns denominam de “Seminário Primitivo”
(14/05/1867). Quem vislumbra resultados quantitativos e prosperidade poderia se
decepcionar. O seminário formou quatro pastores de Deus: Antônio Bandeira
Trajano, Miguel Gonçalves Torres, Modesto Perestelo Barros de Carvalhosa,
Antônio Pedro de Cerqueira Leite. É hora do seu último registro no Diário.
São Paulo, 31 de dezembro de 1866.
[...] Fazendo um retrospecto de minha própria vida
durante o ano que agora se encerra, tenho de condenar-me. Posso indicar algum
trabalho que foi feito da melhor maneira que pude; mas será que progredi na
direção do céu? É aqui que me sinto em falta. Não posso ir além da prece do
publicano. “Ó Deus, sê propício a mim, pecador! [Lucas 18.13] Será sempre assim
comigo? A própria pressão e atividade da vida exterior têm empanado minha
comunhão com Aquele para quem esses mesmos serviços são feitos. Quantas vezes
minhas devoções são formais e apressadas, ou perturbadas por pensamentos de
planos para o dia! E pecados muitas vezes confessados e lamentados têm mantido
seu poder sobre mim. Quem me dera um batismo de fogo que consumisse minhas
escórias; quem me dera um coração totalmente de Cristo” (SIMONTON, 2002, p.
125).
E em outra oração breve: Morre Simonton de febre
amarela (1867). Alhures afirma: Ora, todos estes que obtiveram bom testemunho
por sua fé não obtiveram, contudo, a concretização da promessa, por haver Deus
provido coisa superior a nosso respeito, para que eles, sem nós, não fossem
aperfeiçoados(Hebreus 11.39-40). Deveria ser assim – não há outra história a
não ser a própria história. Pois, os tais heróis são pessoas que fizeram o que
era necessário fazer, enfrentando as consequências. E assim, com trinta e
quatro anos, encerram-se as atividades de Simonton. Mas não termina assim a
história dos poderosos feitos de Deus. A Providência guiará o “padre
protestante” José Manuel da Conceição, que aderiu à fé evangélica em 23 de
outubro de 1864. Assim continuará esta história escrita com suor esangue dos
mártires [...] da qual os cristãos fazem parte!
Em 2011, somos uma parte da igreja de Cristo
espalhada no Brasil, com uma estimativa de 5.392 igrejas, 5.015 congregações e
796.92l membros comungantes (SECRETARIA EXECUTIVA DA IPB DO SUPREMO CONCÍLIO DA
IPB, 2012
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